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Foto do escritorAtma Deva

Parte 1 - Espíritos, os 5 agregados e a mamãe

Atualizado: 4 de abr.

Após um leve almoço de domingo, Cícero tomou em mãos seu exemplar do Dhammapada e sentou-se no jardim. Por alguns minutos permaneceu com o livro em suas mãos, ainda fechado, enquanto observava dois pares de orquídeas que pareciam se alegrar ao sol.

Baixou então seus olhos ao livro, abriu-o e leu um verso. Em introspecção, colocou o livro de lado e voltou a observar as coloridas flores do jardim.

Logo ouviu os passos de sua filha, a tranquila Carla de13 anos, que chegava de mansinho e que sentou-se a seus pés.

Sem olhar para o pai, ainda fitando o jardim, a menina perguntou: “Papai, o que o budismo diz sobre espíritos?"

Cícero voltou-se à filha e começou a explicar: "Bem, Carlinha, o budismo nos diz nós, seres humanos, somos compostos por algo que chamamos de cinco agregados, e que cada um desses agregados nos ajuda a entender nossa experiência humana. Eles são como peças de um quebra-cabeça, que juntas formam o que e quem somos. Primeiro, temos a forma, que é nosso corpo físico. Na sequência, temos as sensações, as percepções, as formações mentais e a consciência. Essas cinco coisas, os agregados, juntos nos ajudam a entender o mundo ao nosso redor e a nós mesmos."

Com feição intrigada, a garota perguntou: "Mas e os espíritos? Oque eles têm a ver com isso?"

“Filha” – ele continuou – “Há tradições budistas que acreditam na existência de espíritos e que, apesar de estarem em uma condição diferente da nossa, também possuem uma existência condicionada pelos cinco agregados. Assim como nós, eles também estão sujeitos ao ciclo de renascimento e ao sofrimento inerente a esse ciclo. Eles podem ser influenciados por suas próprias percepções, formações mentais e consciência, que moldam suas experiências e destinos."

Carla olhou para o céu azul acima, pensando muito rápido nas palavras do pai e murmurando "Então mesmo os espíritos estão presos aos cinco agregados e ao ciclo de renascimento...".

Cícero assentiu, sentindo uma pitada de orgulho pelo interesse e aparente compreensão de sua filha. "Sim, Carlinha. E entender isso pode também nos fazer começar a entender como todos os seres estão interconectados, compartilhando dessa natureza comum. Ao compreender os cinco agregados e o ciclo de renascimento, podemos trabalhar para alcançar a libertação do sofrimento e do próprio ciclo."

Por um momento, Carla permaneceu em silêncio. Até que, olhando para baixo, disse: "A mamãe morreu e ainda assim está condicionada aos cinco agregados".

Cícero sentiu um aperto no coração ao ouvir as palavras que a filha dizia com um misto de pesar e reflexão. "Sim, querida. Mesmo a mamãe que se foi está sujeita aos cinco agregados. Mas veja: seu corpo físico não está mais presente, mas sua energia e suas experiências continuam a existir. Assim como nós, ela também está sujeita ao ciclo de renascimento e a uma destinação moldada por suas percepções, pelas suas formações mentais e sua consciência. E ainda, mesmo que não possamos vê-la, sua presença ainda está conosco de alguma forma, ligada ao tecido interconectado da existência."

Carla que mantinha a cabeça baixa, agora tinha os olhos marejados pela saudade da mãe. "Eu sinto falta dela, papai. Sinto falta do seu abraço e do seu sorriso."

Levantando-se do banco e sentando no chão ao lado da filha, Cícera envolveu Carla em seus braços, esforçando-se para transmitir conforto e amor. "Eu sei, querida. Também sinto falta dela. Mas lembre-se que conforme o que estudamos, sua mãe está de certa forma sempre conosco, também através de nossas memórias e do amor que compartilhamos. Ela pode não estar fisicamente presente, mas sua energia continua a nos cercar, nos guiando e nos protegendo."

Carla secou as lágrimas com as mãos, sentindo-se um pouco reconfortada pelas palavras do pai. Ela olhou para Cícero com olhos de gratidão, sentindo que mesmo na ausência física da mãe, eles ainda estavam unidos pelo vínculo do amor. Percebendo a expressão da filha, Cícero prosseguiu: "Filha, lembre-se também de que, assim como todas as coisas, a morte é impermanente”. Ele esticou a mão até o Dhammapada, abrindo-o no verso que lera minutos antes, e disse: “Ouça o que eu havia lido agora a pouco, filha, vou ler para você: 'Como as flores de um campo, que são derrubadas pelo primeiro vento que passa, assim é a vida do ser humano: sua glória é efêmera e passageira, desaparecendo como uma miragem.'

Filha, a morte é apenas uma parte de um ciclo. Nascimento, morte e renascimento. É como as flores que desabrocham na primavera e murcham no outono. Mas assim como a terra abaixo e o sol acima, o amor e as memórias que compartilhamos, inclusive que compartilhamos com sua mãe, transcendem e permanecem em nossa mente e consciência."

Pai e filha permaneceram juntos por mais um tempo, sentados no tranquilo jardim, ambos em silêncio refletindo na compreensão e acalento que a mensagem budista os concedia.



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